Lei Complementar Federal nº 190/2022 – Panorama de Insegurança Jurídica

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No dia 05 de janeiro de 2022 foi publicada a Lei Complementar Federal nº 190/2022, originária do PLC do Senado Federal nº 32/2021, que altera a Lei Kandir (Lei Complementar Federal nº 87/1996) com o intuito principal de regulamentar a cobrança do ICMS nas operações e prestações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto.

A edição da referida Lei Complementar decorreu de uma exigência da decisão preferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI nº 5469 e no RE nº 1.287.019 (Tema nº 1093 de Repercussão Geral). Nessas oportunidades, o STF declarou inconstitucional a cobrança do DIFAL, regulamentado pelo Convênio ICMS nº 93/2015, em razão da ausência de Lei Complementar Federal dispondo sobre normas gerais referentes ao assunto. Na ocasião, o STF modulou os efeitos de sua decisão para o ano de 2022, ressalvando o direito dos contribuintes que já possuíssem ações sobre a matéria.

Principais Alterações

A alteração principal trazida pela Lei Complementar Federal nº 190/2022 consistiu em que nas transações entre empresas e consumidores não contribuintes de ICMS de Estados diferentes, caberá ao fornecedor recolher e repassar o DIFAL para o Estado do consumidor.

A principal motivação para que o repasse do imposto seja feito na sua totalidade para o Estado de destino é o aumento das transações ocorridas por meio eletrônico (e-commerce) que vem gerando uma sensível alteração nas relações de consumo e também o crescimento das desigualdades regionais por conta da distribuição díspar da arrecadação entre os Estados.

Oportuno destacar que no caso de a mercadoria ou o serviço serem destinados a um Estado diferente daquele em que se localiza o consumidor, o DIFAL será devido ao Estado em que a mercadoria efetivamente der entrada ou onde ocorreu o destino final do serviço.

Outra alteração relevante refere-se à base de cálculo do DIFAL cobrado nessas operações; em função da inclusão da menção ao inciso X no parágrafo 1º do art. 13 da Lei Kandir, integrará a base de cálculo do DIFAL o montante do próprio imposto, modificação esta que eleva a carga tributária dessas operações.

Principal Divergência

O grande ponto de divergência em relação à cobrança do DIFAL refere-se ao início da produção dos seus efeitos.

A Lei Complementar Federal nº 190/2022 no seu art. 3º determina expressamente que em relação à produção de efeitos deverá ser observado o disposto na alínea “c” do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal, o qual impossibilita a cobrança de tributos antes de 90 dias da data em que haja sido publicada a Lei que os instituiu ou majorou (Princípio da Anterioridade Nonagesimal).

No entanto, o referido dispositivo constitucional apresenta uma dupla determinação, tendo em vista que faz remissão ao disposto na alínea “b” do inciso III do caput do art. 150 do mesmo diploma legal, vedando também a cobrança de tributo no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a Lei que os instituiu ou aumentou (Princípio da Anterioridade Anual).

Desta forma, em teoria, a Lei Complementar Federal nº 190/2022 somente poderia produzir efeitos a partir do exercício seguinte à sua publicação, ou seja, no ano de 2023.

Entretanto, até o dia 26/01/2022, 10 Estados (Bahia, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Roraima, Sergipe, São Paulo e Tocantins) publicaram nos seus respetivos Diários Oficiais atos normativos regulamentando a cobrança do DIFAL em operações com não contribuintes, sendo que 9 destes o fizeram antes da publicação da LC 190/2022 a fim de que o DIFAL pudesse ser exigido já no ano de 2022.

O pioneiro neste assunto foi o Estado de São Paulo que, no dia 14/12/2021, publicou a Lei Estadual nº 17.470 prevendo sua entrada em vigor após 90 dias a contar da data da publicação, isto é, em 14/03/2022.

Igualmente, o Estado da Bahia editou a Lei Estadual nº 14.415, mas com produção de efeitos imediatos na data de sua publicação, que ocorreu em 31/12/2021, não respeitando nem o Princípio da Anterioridade Nonagesimal.


O argumento dos Estados para que a cobrança do DIFAL possa ser feita já no ano corrente é que a Lei Complementar Federal nº 190/2022 não teria instituído novo tributo, uma vez que o DIFAL já existia. Em função disto, não haveria a necessidade de se observar os dispositivos constitucionais que se referem à Anterioridade para a cobrança do imposto.

Já as empresas argumentam que, com a decisão do STF, o DIFAL cobrado nas operações para não contribuintes só poderia existir após a publicação de Lei Complementar Federal dispondo sobre o tema. Como a publicação desta somente ocorreu em janeiro de 2022, o DIFAL nessas operações somente teria começado a existir nesta data, logo sua cobrança deveria observar tanto a Anterioridade Nonagesimal quanto a Anterioridade Anual.

Considerações Finais

A publicação da Lei Complementar Federal nº 190/2022 trouxe um cenário de insegurança jurídica levando as empresas a procurarem o Poder Judiciário para resguardarem os seus direitos.

Até que o STF se manifeste expressamente sobre esse assunto (já existem duas ações para apreciação da Corte), estaremos diante dessa situação conflituosa e de incertezas.

Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp190.htm

Por: Priscilla Lyrio Nigro da Silva, Juliani Nascimento Dias de Souza e Ana Beatris Vieira Prado de Almeida