Encerramento de indústrias no Nordeste – implicações relativas aos benefícios fiscais usufruídos (SUDENE)
O presente artigo analisa as consequências sobrevindas com o encerramento antecipado de indústrias no Nordeste e os reflexos deste evento relativamente aos incentivos fiscais da SUDENE que porventura vêm sendo usufruídos.
O tema ganha destaque em virtude do atual processo de desindustrialização e redução de empregos que tem sido acelerado com a crise econômica em vigor desde meados de 2014.
Contexto normativo
Como forma de dar cumprimento ao que estabelece o artigo 43 da Constituição Federal, foi criada, inicialmente pela Lei nº 3.692/1959, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE.
Atualmente constituída sob a forma de autarquia especial¹, à SUDENE cumpre o papel de promover e fomentar ações que contribuam para o desenvolvimento social e econômico em sua área de atuação, hoje composta pelos Estados da Região Nordeste e parte dos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo.
Dentre os instrumentos de ação da SUDENE, encontra-se a administração de incentivos e benefícios fiscais, estes voltados a estimular investimentos privados considerados prioritários, atividades produtivas e iniciativas de desenvolvimento definidas por seu Conselho Deliberativo².
Estão inseridos na órbita do Regulamento dos Incentivos Fiscais da SUDENE (Portaria do Ministério da Integração Nacional nº 283 de 04 de julho de 2013) diversos benefícios fiscais, dentre os quais se encontram os incentivos relativos ao IRPJ, objeto do presente artigo, o qual estará limitado à análise dos benefícios deste imposto cujo perfil seja a concessão por instalação de empreendimentos industriais nas respectivas áreas de fomento. São eles:
a) a redução do IRPJ e adicionais não restituíveis;
b) o incentivo da depreciação acelerada, para efeito do cálculo do imposto sobre a renda, de bens adquiridos para a instalação de projeto incentivado na área da SUDENE;
Consoante o disposto no artigo 1º da Medida Provisória nº 2.199-14 de 2001, regulamentado pelo artigo 13 do Regulamento dos Incentivos Fiscais da SUDENE, os projetos de instalação de empreendimentos aprovados e enquadrados como prioritários farão jus à redução fixa de 75% do IRPJ e adicionais incidentes sobre o lucro da exploração.
Quanto ao procedimento, tal benefício fiscal é outorgado através de laudo constitutivo a ser emitido pela SUDENE, que avaliará e dará seu parecer a respeito do projeto técnico-econômico a ser incentivado³.
Posteriormente, caberá as pessoas jurídicas titulares dos projetos pleitear o reconhecimento do direito à redução do IRPJ perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil, com a devida instrução do pedido com o laudo constitutivo outorgado, consoante dispõe o artigo 15 do Regulamento de Incentivos Fiscais da SUDENE4.
Na esfera da Receita Federal do Brasil, as condições ou requisitos para a fruição dos incentivos fiscais relativos à redução de IRPJ são disciplinados nos termos do artigo 57 a 64 da Instrução Normativa RFB nº 267 de 2002.
Por sua vez, o incentivo relativo à depreciação incentivada acelerada da SUDENE, tem previsão original no artigo 31, inciso I, da Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005.
Em síntese, o incentivo cinge à possibilidade de depreciação integral do ativo imobilizado, no ano da aquisição e até o 4º (quarto) ano subsequente a esta, tendo em vista o desgaste pelo uso ou obsolescência.
A quota de depreciação acelerada constituirá exclusão do lucro líquido para fins de determinação do lucro real, impactando, assim, no cálculo do IRPJ.
A utilização deste benefício está condicionada à fruição do benefício de redução de 75% do IRPJ abordado anteriormente e previsto pelo artigo 1º da Medida Provisória nº 2.199-14 de 2001, conforme disciplinado pelo mencionado artigo 31.
Do encerramento antecipado das atividades e as implicações decorrentes da fruição de benefícios fiscais
Diferentemente do que se observa em outros programas de incentivos fiscais, a legislação da SUDENE não contém qualquer previsão legal que comine sanção especificamente relacionada à saída antecipada do referido programa, ou mesmo estabelece prazo de carência ou de permanência mínima relacionado ao investimento em área incentivada.
Desse modo, a saída do referido programa antes do término do prazo de habilitação e outorga dos incentivos fiscais em comento não configura hipótese que possa lastrear penalização específica, assim entendida como aquela pertinente e exclusiva à decisão de desistir, renunciar ou abrir mão dos benefícios e incentivos fiscais fruídos.
Todavia, muito embora a legislação analisada não preveja sanções específicas que possam punir o encerramento a qualquer momento das atividades, ressalvamos que o encerramento antecipado poderá implicar em outras consequências.
Nesse contexto, a fruição dos benefícios fiscais está condicionada e vinculada a manutenção dos projetos incentivados aprovados junto à SUDENE, ou seja, às operações e características de atividades especificadas nos projetos apresentados à Administração Pública quando do pleito de concessão e adesão aos respectivos programas de incentivos fiscais.
Sendo assim, qualquer alteração aos termos ali previstos poderá ensejar a redução ou até mesmo a supressão dos benefícios fiscais nos termos em que deferidos.
Portanto, considerando que não há previsão legal ou normativa que obrigue o sujeito passivo a permanecer nos referidos programas, a utilização dos incentivos fiscais e a própria habilitação aos mesmos pode ser objeto de renúncia ou desistência, desde que a empresa, a contar do momento em que reduzir ou encerrar as operações geradoras dos incentivos fiscais, deixe de utilizar e fruir de forma imediata dos respectivos incentivos fiscais outorgados.
Não obstante, outro ponto digno de destaque é que o pedido de baixa ou de encerramento de qualquer pessoa jurídica ou estabelecimento sujeita o contribuinte solicitante ao risco de fiscalização por parte das autoridades tributárias competentes.
À administração tributária incumbe a prerrogativa de averiguar o correto aproveitamento dos benefícios fiscais utilizados e, caso haja discordância relativamente ao cumprimento do disposto na legislação tributária, poderão subsistir eventuais débitos tributários ou pendências remanescentes.
A avaliação e o diagnóstico mais precisos a respeito do risco vinculado a correta utilização dos benefícios fiscais fruídos pela empresa depende de procedimento de revisão fiscal que examine especificamente a documentação contábil e fiscal pertinente à luz da legislação tributária estadual e federal.
Relativamente aos incentivos administrados pela SUDENE, os aspectos tributários e fiscalizatórios relativos aos benefícios de redução do IRPJ são de prerrogativa da Secretaria da Receita Federal do Brasil5.
A título elucidativo, destacamos a seguir as ementas dos acórdãos proferidos pelo Conselho de Recurso Administrativos Fiscais (“CARF”), onde o contribuinte foi autuado pelo aproveitamento indevido da redução do IRPJ administrada pela SUDENE, aplicando-a sobre outras receitas e diversamente ao conceito de lucro da exploração:
IRPJ — INCENTIVO FISCAL SUDENE — APURAÇÃO DO LUCRO ISENTO — Na determinação da base de cálculo do incentivo fiscal na área da Sudene deve ser observada a proporcionalidade entre a receita liquida incentivada e a receita liquida total, não sendo admitida a inclusão na base isenta de receitas relacionadas à atividade não incentivada. Recurso negado.
(CARF, Acórdão nº 108-07.915, PA nº 13558.000158/94-61, 8ª Câmara, Conselheiro Relator Nelson Lósso Filho, julgado em 20.11.2016)
IRPJ — INCENTIVO FISCAL — SUDENE — LIMITE CONCEDIDO – A isenção da SUDENE refere-se ao imposto e adicionais incidentes sobre o lucro da exploração, relativamente apenas à quantidade especificada em Portaria da mencionada Instituição, observando-se que a utilização da isenção acima da referida quantidade justifica o lançamento de ofício sobre o valor do benefício indevidamente utilizado.
(CARF, Acórdão nº 1101-00.144, PA 19647.003525/2003-81, 1ª Câmara, 1ª Turma Ordinária, Conselheiro Rel. José Ricardo da Silva, julgado em 19.06.2009)
Diante do exposto, na hipótese de encerramento antecipado das atividades de planta industrial e havendo fiscalização por parte da administração tributária federal que constate o descumprimento da legislação pertinente, encontrar-se-á presente a possibilidade de o fisco lançar e cobrar os débitos fiscais não recolhidos em função da eventual utilização indevida dos benefícios fruídos, demandando a empresa ou seus sócios e sucessores no caso de a baixa fiscal já ter sido procedida.
Relativamente às especificidades dos incentivos de IRPJ administrados pela SUDENE, destacamos ainda a importância de observar o procedimento previsto no artigo 11 do Regulamento de Incentivos Fiscais da SUDENE.
Trata-se de vedação contra a distribuição, pela empresa beneficiada, do valor do IRPJ reduzido aos seus sócios e acionistas, tendo em vista que tais valores deverão constituir conta de reserva de incentivos fiscais, cuja utilização só é autorizada pela legislação para fins de absorção de prejuízos ou aumento de capital social.
A inobservância de tais obrigações constitui risco em potencial, vez que implicará na perda do direito à redução do IRPJ, na obrigação de recolher o imposto que a empresa tiver deixado de pagar, além da aplicação das penalidades cabíveis, constituindo, assim, risco de autuação e lançamento fiscal em face do sujeito passivo.
Corrobora a análise acima, o seguinte precedente extraído da jurisprudência do CARF. Vejamos:
IRPJ. INCENTIVOS FISCAIS. DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS NÃO TRIBUTADOS EM FACE DA REDUÇÃO INCENTIVADA. CARACTERIZAÇÃO.
A incorporação da empresa detentora de incentivo fiscal por sua controladora, sem a preservação da reserva de capital constituída com o valor do imposto de renda que deixou de ser pago em face de incentivo fiscal na área da Sudene, seguida da distribuição de lucros aos sócios, caracteriza a distribuição do valor do imposto, vedada nos termos do art. 545 do RIR/1999.
DECADÊNCIA. EXIGÊNCIA DO IRPJ QUE DEIXOU DE SER PAGO EM DECORRÊNCIA DE INCENTIVOS FISCAIS DEVIDO À SUA DISTRIBUIÇÃO AOS SÓCIOS. TERMO A QUO.
Ao efetuar a distribuição de lucros com a utilização de saldo de reservas de capital, constituídas com o imposto que deixou de ser pago em face de incentivo fiscal, o sujeito passivo descumpre a condição suspensiva para a manutenção do incentivo fiscal e incorre na situação prevista no § 2º do art. 545 do RIR/99, sendo este o momento em que se iniciou a contagem do prazo decadencial para que o Fisco realizasse o lançamento tendente a constituição do crédito tributário em questão.
(CARF, Acórdão nº 1302-001.924, PA nº 10580.724429/2014-70, 3ª Câmara, 2ª Turma Ordinária, Conselheiro Rel. Luiz Tadeu Matosinho Machado, julgado em 06 de julho de 2016)
Além disto, destacamos que o encerramento da planta industrial não poderá ser realizado mediante a transferência de ativos do estabelecimento, sem que a SUDENE seja informada previamente da ocorrência com a devida apresentação da documentação comprobatória6.
Em tempo, o encerramento das operações em comento e a consequente saída dos referidos programas de incentivos fiscais não afastará a obrigatoriedade de cumprimento das diversas obrigações acessórias específicas pertinentes aos incentivos fiscais relativas à SUDENE.
Conclusão
Diante de todo o exposto, podemos resumir nossas conclusões conforme abaixo:
(i) Considerando que não há previsão legal ou normativa que obrigue a permanência no programa de incentivo fiscal analisado, a utilização de tais benefícios e a própria habilitação aos mesmos podem ser objeto de renúncia, sem que a administração tributária possa aplicar qualquer tipo de penalidade específica a esse respeito, devendo tal renúncia ser formalizada de forma expressa;
(ii) Considerando que os incentivos fiscais usufruídos estão condicionados e vinculados a manutenção dos projetos incentivados aprovados junto à SUDENE, a empresa deverá deixar de utilizá-los desde o momento em que reduzir ou encerrar as operações geradoras de tais incentivos fiscais;
(iii) Caso a opção seja pela redução das atividades, essa redução não pode alterar o que foi previamente estabelecido nos projetos iniciais aprovados junto à SUDENE, ou seja, às operações e características de atividades especificadas nos projetos apresentados à Administração Pública quando do pleito de concessão e adesão aos respectivos programas de incentivos fiscais;
(iv) A instauração de procedimento de fiscalização, tanto em âmbito federal quanto estadual, tendente a verificar a correta utilização dos benefícios fiscais usufruídos no passado, respeitado o prazo decadencial de 5 (cinco) anos, deverá ser tratado como evento provável de ocorrência, em virtude do encerramento antecipado da unidade industrial;
(v) Relativamente aos incentivos da SUDENE, a empresa ficará sujeita a observar a proibição de distribuir aos sócios e acionistas o valor de IRPJ efetivamente reduzido, que deverá constituir conta de reserva de incentivos fiscais, sob pena de cobrança do imposto que tiver deixado de ser pago e da aplicação de penalidades cabíveis;
(vi) Deverá ainda observar a empresa que a legislação específica proíbe a transferência de ativos de empresas beneficiárias, sem que haja a prévia informação e apresentação de documentação à SUDENE.
Artigo escrito pelos Advogados do Escritório André Teixeira em colaboração com o Tax Update
Referências:
[1] Conforme previsto na Lei Complementar nº 125 de 2007
[2] Artigo 43, §2º da Constituição Federal e no artigo 4º, IX da Lei Complementar nº 125 de 2007
[3] O Decreto nº 4.213 de 2002, cujas normas estão reproduzidas do Regulamento dos Incentivos da SUDENE, define os setores da indústria tidos por prioritários para fins de outorga do incentivo de redução de IRPJ previstos na MP 2199 de 2001. Já o Decreto nº 6.539 de 2008, também reproduzido no Regulamento, define os critérios para enquadramento de projeto de instalação no incentivo de redução de IRPJ.
[4] Art. 15. As pessoas jurídicas deverão pleitear o reconhecimento do direito à redução de que trata este capítulo à unidade da Secretaria da Receita Federal – SRF de sua jurisdição, cujo pedido será instruído com o laudo de que tratam os §§ 1º e 2º do art. 1º da Medida Provisória nº 2.199-14, de 24 de agosto de 2001, e de conformidade com o item 3 da Instrução Normativa nº 267/2002 da SRF.
[5] Artigo 64 da Instrução Normativa RFB nº 267 de 2002 c/c os artigos 1º e 2º da Lei nº 7.134 de 1983
[6] Neste sentido, é o disposto no artigo 9º do Regulamento de Incentivos Fiscais da SUDENE